Influencers, haters e missão: um documento do Vaticano sobre o cuidado pastoral nas redes
. Partilhamos aqui o documento publicado pelo Dicastério para a Comunicação, como “reflexão pastoral sobre a interação nas Redes Sociais”, intitulado Rumo à presença plena. O documento é assinado pelo prefeito do Dicastério, Paolo Ruffini, e por Mons. Lucio Ruiz, secretário deste Dicastério. “Nas últimas duas décadas, nosso relacionamento com as plataformas digitais passou por uma transformação irreversível“, diz o documento, mencionando que “os jovens – assim como as gerações mais velhas – pedem para ser encontrados onde estão, inclusive nas redes sociais, pois o mundo digital é ‘uma parte significativa da identidade dos jovens e de seu estilo de vida’”. O documento alerta para as armadilhas das rodovias digitais, afirmando que “uma desigualdade nas redes sociais torna-se cada vez mais profunda”. As plataformas que prometem criar comunidade e aproximar o mundo, ao contrário, tornaram mais acentuadas as várias formas de divisão.” E, pastoralmente, afirma que “ao longo das rodovias digitais, muitas pessoas são feridas pela divisão e pelo ódio. Não podemos ignorar isto. Não podemos ser apenas viajantes silenciosos. A fim de humanizar os ambientes digitais, não devemos esquecer quem é “deixado para trás”. O Dicastério para a Comunicação propõe, como faz frequentemente o Papa Francisco, a parábola do Bom Samaritano como um desafio para enfrentar a cultura do descarte digital e para nos ajudarmos mutuamente a sair da nossa zona de conforto, fazendo um esforço concreto para ir ao encontro do outro. Discernimento, prudência e oração na interação O documento convida à responsabilidade cristã na utilização das redes, observando que “do prisma da fé, o que e como comunicar não é somente uma questão prática, mas também espiritual. A presença nas plataformas das redes sociais requer discernimento. Comunicar-se bem em tais contextos é um exercício de prudência e exige uma ponderação orante sobre o modo como interagir com os outros”. Assinalando a importância essencial das relações pessoais e do espírito de comunidade, afirma que “a comunicação começa com a conexão e passa para os relacionamentos, a comunidade e a comunhão. Não existe comunicação sem a verdade de um encontro. Comunicar-se consiste em estabelecer relacionamentos; em ‘estar com’. Ser comunidade significa partilhar com os outros as verdades fundamentais a respeito do que se possui e do que se é”. Rumo à presença plena convida-nos a utilizar as redes sociais como uma ferramenta para nos conectarmos aos outros de uma forma positiva, ajudando a dar orientação e a transmitir esperança, tendo em conta a fome de orientação moral e espiritual, que muitas vezes não se encontra nos locais tradicionais. O documento completo é transcrito a seguir: . DICASTÉRIO PARA A COMUNICAÇÃO Rumo à presença plena Uma reflexão pastoral sobre a participação nas redes sociais 1) Foram dados grande passos na era digital, mas uma das questões urgentes que ainda deve ser abordada é o modo como nós, enquanto indivíduos e comunidade eclesial, devemos viver no mundo digital com “amor ao próximo”, genuinamente presentes e atentos uns aos outros na nossa viagem comum ao longo das “rodovias digitais”. Os progressos tecnológicos tornaram possíveis novos tipos de interações humanas. Com efeito, a questão já não é se, mas como devemos participar no mundo digital. As redes sociais são, em particular, um ambiente em que as pessoas interagem, compartilham experiências e cultivam relacionamentos como nunca antes. Mas ao mesmo tempo, dado que a comunicação é cada vez mais influenciada pela inteligência artificial, há necessidade de redescobrir o encontro humano em sua própria essência. Nas últimas duas décadas, nosso relacionamento com as plataformas digitais passou por uma transformação irreversível. Sobressaiu a consciência de que estas plataformas podem evoluir até se tornar espaços cocriados, não apenas algo que usamos de maneira passiva. Os jovens – assim como as gerações mais velhas – pedem para ser encontrados onde estão, inclusive nas redes sociais, pois o mundo digital é “parte integrante da identidade dos jovens e do seu modo de viver”.[1] 2) Muitos cristãos pedem inspiração e orientação, uma vez que as redes sociais, que representam uma expressão da cultura digital, tiveram um impacto profundo quer nas nossas comunidades de fé, quer nas nossas jornadas espirituais individuais. Existem abundantes exemplos de participação fiel e criativa nas redes sociais em todo o mundo, tanto de comunidades locais como de indivíduos que dão testemunho da sua fé em tais plataformas, muitas vezes de maneira mais abrangente do que a Igreja institucional. Também existem numerosas iniciativas pastorais e educacionais, desenvolvidas por Igrejas locais, movimentos, comunidades, congregações, universidades e indivíduos. 3) A Igreja universal abordou também a realidade digital. Por exemplo, desde 1967 as mensagens anuais para o Dia Mundial das Comunicações Sociais têm oferecido uma reflexão contínua sobre o tema. A partir dos anos 90, estas mensagens abordaram o uso do computador e, desde o início dos anos 2000, refletiram de maneira consistente sobre aspetos da cultura digital e da comunicação social. Levantando interrogações fundamentais para a cultura digital, em 2009 o Papa Bento XVI falou sobre as mudanças nos padrões de comunicação, afirmando que a mídia não deveria apenas fomentar conexões entre as pessoas, mas também encorajá-las a comprometer-se com relacionamentos que promovam “uma cultura de respeito, de diálogo e de amizade”.[2] Sucessivamente, a Igreja consolidou a imagem das redes sociais como “espaços”, não simplesmente “instrumentos”, e pediu que a Boa Nova seja proclamada inclusive nos ambientes digitais.[3] Por sua vez, o Papa Francisco reconheceu que o mundo digital “já não se consegue separar do círculo da vida quotidiana” e continua a mudar o modo como a humanidade acumula conhecimento, divulga informações e desenvolve relacionamentos.[4] 4) Além destas reflexões, a participação prática da Igreja nas redes sociais também tem sido eficaz.[5] Um momento recente demonstrou claramente que a mídia digital é um instrumento poderoso para o ministério da Igreja. Em 27 de março de 2020, ainda nas fases iniciais da pandemia da Covid-19, a Praça de São Pedro estava vazia, mas cheia de presença. Uma transmissão televisa ao vivo permitiu ao Papa Francisco presidir a uma experiência global transformadora: uma oração e uma mensagem dirigida a um mundo em confinamento. No meio de uma crise